Ivomar Schuler da Costa
Nenhuma pessoa bem informada e que tenha a capacidade perceptiva e de pensamento desobstruídas negará que atualmente não somente o conceito, mas as práticas denominadas “sustentáveis” são expressão das correntes ideológica e política predominantes.
Essas correntes, no entanto, não alcançaram a posição de meanstream por meio de um fluxo espontâneo da sociedade, que teria entendido a sua importância e a assumido como valor essencial para a construção do futuro e salvação de uma suposta catástrofe planetária gerada pela incúria humana. Ao contrário, tal posição foi conquistada a golpes estratégicos de subversões culturais, golpes de marketing e conquista “generosa” da mídia, guerra para a conquista de posições politico-governamentais, entre outra miríade de ações. Em suma, não foi algo espontâneo, mas sim resultado de uma ampla estratégia muito bem elaborada e melhor ainda executada.
Hazel Henderson, uma simpática senhora inglesa, naturalizada estadunidense, nascida em 1933 e falecida em 2022, aos oitenta e nove anos, ativista política durante mais de quarenta anos, tendo começado como uma simples dona de casa que lutava contra a enorme poluição de Nova Iorque nos anos setenta, ela tornou-se uma das mais importantes vozes da corrente ambientalista, que ao criticar o reducionismo econômico, devido à exclusão das denominadas externalidades; por esta via, ela conseguiu sensibilizar uma parte considerável dos economistas, e com isso contribuiu para gerar a corrente dominante na atualidade, conhecida como “sustentabilista”. Logo na introdução de um dos seus livros (Transcendendo a Economia. Editora Cultrix. 1991) ela declara inadvertidamente, porém com sinceridade, que essa ação foi planejada e executada com maestria, pois conquistou o mais alto estrato da liderança das nações. Numa das passagens ela afirma que:
Agora que a terminologia dos pensadores alternativos foi adotada por chefes de Estado, executivos de grandes corporações e seus porta-vozes, é hora de irmos adiante. (Grifo Nosso).
Observemos que ela se refere aos pensadores alternativos e à terminologia deles. Ao referir-se a pensadores que não fazima parte da corrente ideológica principal. Isso significa que, as ideias que estavam sendo adotadas pelas lideranças politicas e empresariais haviam anteriormente sido pensadas, elaboradas intelectualmente por pessoas encarregadas deste mister, mas que naquele momento não eram parte da corrente que detinha o controle ideológico, por isso ela os adjetiva como alternativos. Estes tiveram de elaborar uma estratégia para atingir a posição de liderança intelectual. Assim, ela alerta que tal situação, naquele momento, já havia sido alcançada, ou seja, estava deixando de ser alternativa, então era hora de seguir em frente: é hora de irmos adiante, disse ela. Vencida uma etapa, é hora de trabalhar na implantação da próxima. Ora, isso indica, pelo menos, a existência de uma agenda.
Assim, ela alerta que tal situação, naquele momento, já havia sido alcançada, ou seja, estava deixando de ser alternativa, então era hora de seguir em frente: é hora de irmos adiante, disse ela. Vencida uma etapa, é hora de trabalhar na implantação da próxima. Ora, isso indica, pelo menos, a existência de uma agenda.
Ela faz uma listagem das principais expressões que haviam sido adotadas pelas lideranças citadas. Certamente, reconheceremos muitas dessas expressões no nosso cotidiano. Basta abrir um site ou um canal do Youtube, e escutaremos em algum momento alguém falando diretamente a respeito dessas expressões; nas prateleiras das livrarias veremos inúmeros títulos de livros que se referem a tais ideias. Naturalmente, além da questão estritamente ideológica, muita gente aproveita-se da “onda” artificialmente gerada para faturar alto. De repente surgem consultores em “sustentabilidade”, em “diversidade”, em “biodiversidade”, e dai por diante. Geralmente são esses os maiores divuladores das novidades, pois tem interesse em serem os portadores das “boas novas”. Nos planos dos estrategistas esse tipo de divulgador inocente ou interessado em ganhos pecuniários é levado em conta para expandir suas ideias no seio da população. Vejamos:
Expressões como o novo paradigma, poder pessoal (“empowerment” ) a nova ordem mundial, parceria, “networks” (redes), orgânico, biodiversidade e ecossistema planetário já surgem em documentos oficiais e press-realeases. Por mais estreitas que possam ser sua concepção e interpretação, esses termos indicam uma nova abertura para a compreensão mais plena de realidades mais amplas e, pelo menos, a possibilidade de um debate mais sensato e esclarecido em vários países. (Destaques no original).
Não deve passar despercebido o que a própria autora diz: Por mais estreitas que possam ser sua concepção e interpretação […]. Com sinceridade ela admite que a concepção dessas ideias pode ser estreita, isto é, reduzida, minúscula, relativamente pequena em relação ao seu referente, sem a amplitude necessária para abranger todos os fatos que pretende incluir em seus limites. Mas se as ideias centrais são estreitas é de se esperar que assim como uma semente infertil não produzirá muitos frutos, estas ideias também não apresentam potencial para desenvolver uma linha ampla de ações e de acordo com os fatos da realidade concreta. Se são ideias restritas, significa então que embora alguma parte delas possa referir-se aos fatos reais, elas não os expressam em suas totalidades, ou pelo menos na dimensão que seria necessária para que se possa atuar com eficácia na transformação do mundo. Ideias pequenas não conseguem abarcar a quantidade de fatos relevantes para os quais apontam ou até mesmo apontam para fatos que não se relacionam com o que pretendem representar; ideias pequenas deixam do lado de fora das fronteiras do seu circulo muitos fatos importantes e, por isso, geralmente são deficientes e incompletas. Partindo de uma concepção reduzida, como se poderá realizar transformações realistas e grandiosas?
Como os pensadores alternativos podem aproveitar essas oportunidades para expandir os “invólucros políticos” dos tomadores de decisão nas empresas e governos e impedir que continuem a homegeneizar, a banalizar e a desvalorizar o poder transformador dessas cosmovisões alternativas? Como aproveitar o momento retórico e ajudar a “enraizar” esses paradigmas na prática? (Grifo Nosso).
De cara, nesta passagem a autora apresenta o caráter manipulador das ideias que defende, apesar de que talvez por ingenuidade acredite piamente nelas, quando diz: […] aproveitar essas oportunidades para expandir os “invólucros políticos” dos tomadores de decisão […]. Ora, a maneira como as pessoas pensam deve ser respeitada, obviamente, desde que tais maneiras não coloquem em risco a segurança e a vida das demais. A alteração das ideias, das crenças, pode e deve ser realizada para adequar-se às naturais transformações do espírito, da consciência, contudo, jamais deve ser imposta. A mudança dos pensamentos por intermédio da manipulação mental, inculcando ideias estranhas aos sujeitos, é um modo totalitário de agir. Significa também que aqueles que agem dessa maneira impositiva, são extremamente cínicos, pois fazem uso da enganação para penetrar sub-repticiamente na mente dos seus alvos.
A alteração das ideias, das crenças, pode e deve ser realizada para adequar-se às naturais transformações do espírito, da consciência, contudo, jamais imposta. A mudança dos pensamentos por intermédio da manipulação mental, inculcando ideias estranhas aos sujeitos, é um modo totalitário de agir.
A substituição de ideias às vezes é necessária, porque o contexto no qual as pessoas estão inseridas muda constantemente, obrigando a revisão dos conceitos, das definições, das crenças; no entanto, o processo deve respeitar a dignidade das pessoas, fazendo-a de maneira ética; deve-se oferecer as informações e debate-las com abertura e sinceridade, dando oportunidades para que a pessoa as reelabore sozinha. A exposição e o debate das ideias são modos muito mais efetivos de alteração de ideias do que a manipulação. Quem recebe as informações adequadas tem a oportunidade de elaborar e reelaborar as próprias ideias, assim elas surgem ou ressurgem em suas mentes com o carimbo da sua personalidade. Se é a própria pessoa quem as elabora, elas se radicão na profundidade do seu ser. Contrariamente, se as ideias são introduzidas nas mentes através de métodos manipulativos, mais cedo ou mais tarde, a pessoa conseguira expulsá-la e retomará o controle do próprio pensamento, afastando as ideias intrusas como se fossem alienígenas gerados em seu ventre. O que percebemos é que os sustentabilistas investiram pesadamente nas estratégias manipulativas para alcançar uma posição de proeminência política mundial.
Na sequência da Introdução a autora questiona: Como aproveitar o momento retórico e ajudar a “enraizar” esses paradigmas na prática? O que ela quer dizer com a expressão momento retórico? O trabalho que realizaram visava criar um ambiente psicológico ou psicossocial em que certas expressões e ideias tivessem sua receptividade tanto mental como social e política ampliadas. Efetivamente, esse momento foi alcançado e até ultrapassado. A linguagem foi uma ferramenta preferencial neste processo.
A linguagem é uma capacidade que somente os seres humanos são dotados. Através dela é que a cultura se constituí e que os pensamentos puderam ser retransmitidos de uma pessoa para outra. Sem alinguagem não seriamos humanos, mas apenas animais um pouco diferentes dos outros. A linguagem tem um enorme poder de alterar pensamentos, ideias, e, logo, os comportamentos. Vê-se imediatamente que ela pode ser utilizada como instrumento de alteração não somente de indivíduos, mas no plano político, das sociedades.
Modificar o contexto, inserindo e ampliando o uso das expressões especialmente pensadas e escolhidas para alterar o ambiente cognitivo é uma maneira alterar as percepções e começar a mudar a visão de mundo de uma sociedade. Olhando para estes objetivos, é fácil entender que o papel da imprensa e das entidades educacionais é de capital importância. Dominar estes setores torna-se uma atividade necessária para a consecução do plano. Enquanto a educação, apesar de massificada, trabalha as mentes individuais, a imprensa faz o trabalho de martelar dia e noite, sem parar, a divulgação de imagens e palavras escolhidas. De tanto ouvir jormalistas conhecidos, atores e personalidades famosas, empresários bem-sucedidos falarem sobre o tema, assim como ver ininterruptamente imagens projetadas para reforçar os conceitos escolhidos, os individuos acabam por usar nas sua lingagem cotidiana as mesmas expressões, a usar os produtos que prometem atender às novas e “urgentes” necessidades e, desta forma, todos se sentem forçados pela pressão social não só a falar, mas a concordar com as ideias que passam a dominar os pensamentos e a direcionar as aspirações e medos.
Ainda na mesma citação vemos: […] e ajudar a “enraizar” esses paradigmas na prática? Aqui se nota que uma falha no entendimento do conceito de paradigma. Nas próprias páginas do livro em tela, varias definições do termo são apresentadas. A autora relata que Thomas Khun lhe havia alertado para que não expandisse demasiadamente a conotação do termo popularizado por ele no âmbito das ciências em sua famosa obra “A Estrutura das Revoluções Científicas”. Isso é compreensível, sobretudo de um ponto de vista intelectual, porquanto, a extensão semântica do termo acaba, invariavelmente, esvaziando-o quase que completamente. Khun havia sido extremamente coerente e intelectualmente honesto com ela. No entanto, ela mesma afirma que distoa do conceito mais purista do filosofo da ciência, pois acredita que […] um paradigma é um par de óculos diferentes que pode revelar uma nova visão da realidade, permitindo-nos reconhecer nossa situação, remoldurar antigos problemas e encontrar novos caminhos para a mudança evolutiva. É inegável que a autora está correta ao afirmar que a mudança das lentes perceptivas contribui para uma visão diferente da realidade. Naturalmente, ver diferente não quer dizer que estejamos vendo a realidade como ela é. Usar óculos com lentes cor-de-rosa não transformam uma alface em uma rosa.
A autora comete dois erros que consistem em comparar o conceito de paradigma com uma simples mudança perceptiva, pois o paradigma envolve questões de elaborações mentais, pressupostos e valores que a simples percepção não contempla. Inversamente, a percepção pode ser afetada por essas predisposições da esquemática mental de uma pessoa, conforme nos ensina o filosofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos (1907-1968). A precursora dos conceito de sustentabilidade desconsiderou as recomendações a respeito dos limites semânticos do conceito de paradigma, feitas pelo criador do conceito atual. E ao fazer isso usou outro conceito, não aquele de “paradigma” definido por Thomas Khun; ou seja, ainda que continue usando a mesma palavra, esta não corresponde mais ao conceito original. Portanto, ela comete uma confusão conceitual e compromete a elaboração de todas as suas ideias. O resultado é que aparentemente as propostas da dama da sustentabilidade se fundamentam em conceitos ciêntificos, mas na essência não se constituem como teoria, mas sim como um amontoado de ideias que não se conjugam.
Henderson, seguindo o mesmo roteiro, tenta aplicar os conceitos de pensamento sistêmico e teorias da complexidade para embasar suas ideias de revisão dos fundamentos da economia. Um dos principais fundamentos dessas novas ciências é o de “sensibilidade às condições iniciais”, mais conhecido como “efeito borboleta” (o bater de asas de uma borboleta no Brasil pode provocar um furacão no Texas!). Pode parecer complicado, mas na verdade, tal enunciado significa que pequenas alterações no inicio de um processo podem redundar em efeitos desproporcionalmente aumentados em alguma etapa posterior. Isso ocorre em decorrência da função feedback positivo presente nos processos complexos. Feedback positivo significa o retorno de uma informação a alguma parte do sistema considerado, de modo que ela o amplifique positivamente, aumentando, os seus efeitos, desenhando como que uma espiral crescente. A desproporcionalidade dos efeitos é uma das principais características de um sistema complexo. São efeitos semelhantes a estes que Henderson provoca ao alterar o sentido preciso do conceito de paradigma. Ela promove uma série de erros intelectuais em sequência que acabam por distorcer os resultados que pretende atingir. Conquanto as ideias das quais é partidária tenham obtido sensacional expressão no mundo atual, dominando as agendas políticas globais, isso não exclui a verdade de que esta mesma agenda, supostamente salvadora da humanidade, está conduzindo esta mesma humanidade para o destino da qual pretende-se desviá-la.
A situação funciona semelhantemente aos filmes da famosa série americana de televisão “Amazing Histories”, nas quais o protagonista se vê preso num drama recursivo do qual não consegue escapar. Sempre que tenta fugir de um perigo, de um local amendrontador ou inadequado, anda em círculos e acaba sempre no lugar de onde saiu, não importando o caminho que tenha tomado. A coisa torna-se um pesadelo sem fim!
A grande ativista fala em enraizar os paradigmas na prática. Essa simples expressão, no contexto intelectual em que se movimenta, assim como a extensão exagerada e corruptora do termo em tela, mostra o quanto Henderson parece estar inconsciente dos próprios equivocos. Fritjof Capra, o famoso físico teórico austríaco, diz num texto epigráfico nas páginas prefaciais do referido livro que Um paradigma social é uma constelação de conceitos, valores, percepções e práticas, compartilhadas por uma comunidade e formando uma visão particular da realidade que é a base do modo pelo qual essa comunidade se organiza. Um paradigma só o é na medida em que seja compartilhado por uma comunidade. Uma pessoa individualmente pode ter uma cosmovisão, mas um paradigma é compartilhado por uma comunidade. Portanto, se considerarmos essa maneira de ver como correta, a autora está enganada ao querer “enraizar” um paradigma em uma sociedade. Se uma maneira de ver a realidade só se constitui como paradigma se for compartilhada pela comunidade, o ato de tentar enraizar uma maneira diferente de ver a realidade se apresenta como uma tarefa altamente manipulativa, desonesta, pois pretende forçar pessoas e comunidades a usarem óculos verdes para enxergarem a economia ou a situação do planeta quando isso pode não ser necessário. Infere-se da definição dada por Capra que o paradigma social é uma emergência em uma comunidade. Assim, tentar enraizar um paradigma significa tentar injetar ideias nas mentes alheias sem oferecer a oportunidade de uma visão clara do que se está tratando, pois varias intenções são ocultadas dos sujeitos passivos.
Se o paradigma, conforme Capra assevera, é uma constelação de conceitos, valores, percepções e práticas compartulhadas por uma comunidade, formando uma visão particular da realidade que é a base pela qual essa comunidade se organiza, torna-se fácil perceber que o que a ativista da sustentabilidade tenta fazer é a indução de um conjunto de ideias na sociedade atual para mudar a visão da realidade e, por conseguinte, o seu modo de organização. Essa linha de pensamento seguida por ela nos remete tanto a Karl Marx (transformar a realidade, em vez de interpretá-la), como a Gramnsci (conquista da hegemonia cultural), e à Escola de Frankfurt (neo-marxismo), quando por intermédio da mudança das ideias, dos conceitos e dos valores, usando a linguagem como instrumento preferencial, tenta mudar o fluxo da realidade. O problema é que as ideias de Henderson são mal organizadas, deficientes, e não se constituem como verdadeiros paradigmas, pois não emergem da sociedade, não partem da base para o topo, mas sim, descem do topo para a base. Este é o motivo, inclusive, pelo qual ela diz que “é hora de seguir adiante”, pois suas ideias já estavam no topo e agora precisavam descer até a base para mudar a realidade.
Contudo, a tentativa de mudar a maneira das pessoas verem o mundo utilizando a linguagem como ferramenta para tal finalidade é uma forma altamente totalitária, antiética e extremamente desonesta, porquanto as pessoas são influenciadas sem perceberem que estão sendo utilizadas como se fossem ratinhos de laboratório. Enfim, os sustentabilistas desrespeitam a dignidade da pessoa humana, embora jurem que estão tentando fazer exatamente o contrário disso.
Esta é uma das principais razões pelas quais as proposta sustentabilistas devem ser rechaçadas e afastadas o mais rapidamente possível, pois nunca e tarde para exercer o nosso direito de pensar livremente, pelas nossas próprias cabeças. Quem controla a linguagem, controla o pensamento; quem controla o pensamento dos outros, controla a política. Quem controla a política detém o poder!