Lopes da Costa entende também, assim como o Instituto Federalista defende a décadas, que é necessário retornar à essência do federalismo, ao mesmo tempo em que classifica o suposto federalismo vigente no Brasil, como predatório. A solução apontada, que ele defende de modo velado, é a de realizar uma revisão constitucional que resgate a autonomia dos entes federativos. E esse resgate implicará o estabelecimento do federalismo assimétrico, tendo em vista que as realidades municipais, estaduais e regionais são imensamente dispares, tornando impossível evitar distorções e disfuncionalidades por meio de uma simetria legal forçada que insiste em desconhecer as assimetrias de fato. Por fim, ele conclui que será impossível a resolução dos nossos problemas tributários fora da autonomia dos entes federativos.
Todo o trabalho do Instituto Federalista pode ser resumido na defesa de um modelo especifico denominado Federalismo Pleno. Nenhum modelo de estado será viável se desconhecer a realidade onde será aplicado. O Brasil é repleto de diferenças e diversidades, assim, aplicar um modelo federativo simétrico é ir contra a realidade do país. Este modo de encarar tem sido, desde a primeira constituição brasileira, a de 1824, um equivoco seguidamente repetido. No entanto, a realidade se impõe, e os erros cometidos no passado se concretizaram, na verdade, muito cedo, chegando até o momento atual, no qual a crise se aprofunda. A solução vem sendo apontada há mais de uma década pelos federalistas, mas nos últimos dias varias pessoas com formações diferenciadas têm se manifestado no mesmo sentido. Este é um sinal de que a ideias amadureceram e estão circulando pelas mentes e pela sociedade.
Leia abaixo o artigo, na integra, com os destaques que fizemos. Todos os destaques foram inseridos por nós.
Todo tributo possui, em alguma medida, caráter extrafiscal, produzindo externalidades na economia. Essa característica é marcante em tributos como o IPI, que onera bens supérfluos criando desincentivo econômico ao seu consumo; o IOF que serve como instrumento de política monetária e, também, nos impostos incidentes sobre as importações e exportações (II e IE), que servem ao propósito de regular a oferta de bens no mercado interno e até mesmo proteger a indústria nacional.
Esses tributos, todos de competência da União Federal, são denominados “regulatórios” e se encontram previstos no artigo 153, incisos I, II, IV e V da Constituição Federal, que expressamente os exclui da proteção outorgada pelo princípio da anterioridade, podendo ser alterados por ato do Poder Executivo a qualquer momento. São verdadeiros instrumentos de intervenção do Estado na economia.
Mas, ao contrário do que muitos supõem, a extrafiscalidade é característica presente em qualquer tributo, mesmo naqueles que não são classificados como tributos regulatórios. Alterações na alíquota e nas faixas de isenção do imposto de renda, apenas para citar um exemplo, podem causar efeitos significativos na distribuição de riqueza, estimular ou desestimular a atividade econômica e assim por diante.
Nesse sentido, percebe-se que as propostas apresentadas até o momento pecam por duas razões fundamentais. A primeira por ignorar a dimensão extrafiscal da tributação ou reduzir a importância de seu debate, cuidando primordialmente do aspecto da simplificação do complexo sistema tributário hoje existente. A segunda por ignorar também as externalidades produzidas para a sociedade como um todo e para os entes federativos, que sofrerão imensa redução em sua autonomia e capacidade de formulação de políticas públicas locais.
Qualquer que seja o modelo de reforma adotado, seria recomendável levar em conta as áreas e atividades onde o investimento e participação do setor privado deveriam, como política do Estado, usufruir de incentivos tributários, sem esquecer jamais da dimensão extrafiscal da tributação como mecanismo de redução das desigualdades e de crescimento econômico.
Não se pode relegar a segundo plano políticas públicas de longo prazo: educação, saúde, segurança, meio ambiente e cultura, vinculadas a planos diretores decenais (além do plano plurianual, LDO e anual) claros e transparentes para toda a sociedade. Não se deve, também, perder a oportunidade de fazer esses ajustes, nem conviver com um modelo movediço e provisório que adie indefinidamente soluções para problemas urgentes.
Na dimensão da relação entre extrafiscalidade e autonomia dos entes federativos, existem vários pontos essenciais da Reforma e dificílimos desafios – já veteranos – que a ameaçam, na forma como hoje está concebida. Fundamental, pois, resgatar a essência do federalismo cooperativo, tão aviltado pela guerra fiscal, que fez nascer o brutal e insustentável modelo hoje vigente: o do federalismo predatório, mas sem que isso signifique suprimir a capacidade dos entes federativos de formular suas próprias políticas públicas.
Também é necessário repensar e resgatar o perfil e a dimensão jurídico-constitucional dos entes municipais e estaduais. Um modelo único para realidades muito heterogêneas: raiz de inúmeras distorções, desperdícios, conflitos e escândalos até os dias de hoje.
Relegar a segundo plano a dimensão extrafiscal das propostas de reforma tributária hoje existentes e suprimir de forma absoluta a possibilidade de concessão de incentivos fiscais é ignorar, de um lado, a importância dos tributos como instrumento de intervenção do Estado na economia e, de outro, a evidente repercussão deste modelo na relação entre os entes federativos, que perderão autonomia em favor de um modelo mais centralizado na União Federal.
Em síntese, assim como a União Federal intervém na economia não apenas através dos tributos regulatórios já referidos neste artigo, mas de todos aqueles que recaem no âmbito de sua competência, não se deve nem se pode suprimir a capacidade de os entes federativos fazerem o mesmo, utilizando os tributos que lhes cabem na ordem constitucional vigente para produzir externalidades benéficas em âmbito local.
Suprimir autonomia, vedar a concessão de benefícios e cassar a capacidade de formulação de políticas públicas dos entes federativos, para as quais a autonomia tributária é absolutamente essencial, não parece ser o melhor caminho para se pôr fim aos problemas hoje existentes.